A Noite Escura da Alma |
Dizem várias escolas de mistério
e estudos místicos, que um dia toda alma passa pelo que chamam de “noite escura”,
ou um período de grande confusão e tormento, em que os conceitos, crenças, certezas
se esvaem, quando os bens materiais parecem esvaziar-se, quando os amores
liquefazem e escorrem pelos dedos, quando as amizades distanciam a ponto de
parecer que não existem.
É o período de grande e profunda
solidão e de desesperança pelo desaparecimento de nossos valores e conceitos,
pelo questionamento de tudo o que acreditamos ser e conhecer.
As traições parecem multiplicar e
atingir todos os segmentos de nossas vidas: O ser amado nos trai, a família nos
trai, os amigos nos traem, nossa fé nos trai, nossos princípios nos traem, no
trabalho somos traídos e tudo se desfaz...
Desespero Imperial |
Não raro, a sós, no quarto,
pensamos no fim da existência e derramamos lágrimas como nunca antes tínhamos feito. Lágrimas sentidas, desesperadas e profundas. Lágrimas que não sabíamos ter.
As perguntas passam a se
multiplicar e não abandonam nossa mente. Giram e giram. Desgastam, desgostam,
torturam: Porque é a principal!!! Como, a secundária...
Começam para tentar conhecer os
motivos de tamanha angústia e sofrimento em todos os aspectos da vida, sem
conclusão, no mais das vezes... Eu não mereço! Sempre fui fiel, leal, amigo,
honesto, sincero...
Sim, apenamo-nos de nós mesmos.
Apiedamo-nos...
Por qual motivo, meu amor? Por
qual motivo, meu amigo? Por qual motivo, minha família? Por qual motivo, meu
Deus?
Como perdi seu amor? Como perdi
seu respeito? Como perdi minhas finanças?
Não mais posso crer em Ti, meu
Deus! Por qual motivo permitiste que eu chegasse onde estou, se sempre a Ti fui
fiel? Onde está Tua fidelidade, Teu amor e Teu respeito pelo filho que tanto Te
ama e tão dedicado a Ti?
Não mais posso confiar em você,
amor! Não mais posso ver você como refúgio, família! Não posso mais desabafar
com você, amigo!
Que caminho devo seguir? |
Às almas mais fortes, novas
perguntas surgem: Como saio desta situação? Com quem conto para isto? Qual o
caminho?
Tombar não é demérito. Desgraça é
não levantar!
...
A noite escura da alma, contudo,
é uma grande benção!
A noite:
A noite foi mencionada em todos
os livros sagrados, ora como origem do bem, ora como reduto do mal.
Em Gênesis, a noite domina as
trevas e é inferior à Luz:
“E viu Deus que a luz era boa, e
fez separação entre a luz e as trevas.
Chamou Deus a Luz, Dia e as
trevas, Noite. (1.4-5)”
Em Jó 35,10, um aspecto positivo
da Noite:
“Deus inspira canções de louvor
durante a noite”
Em Salmos (19, 2), a sabedoria da
Noite:
“Uma noite – diz o salmista –
revela conhecimento à outra noite”
Não é à toa, portanto, que a
coruja, pássaro eminentemente noturno, é símbolo da sabedoria, a clarividência
e a filosofia.
Para os gregos, Noite era o nome
de uma deusa que simbolizava as trevas superiores, representada por uma figura
feminina vestindo um manto escuro.
Nyx - A deusa da Noite |
A deusa Noite gerou várias
divindades, algumas benéficas, outras maléficas, sendo a mais importante delas
o Dia (Hêmera), a divindade que trouxe a luz ao universo.
Lentamente a Noite foi ganhando o
sentido de estado de consciência da Divindade entre os místicos, a eterna incógnita
envolta no manto escuro da noite.
Por isto a constante afirmação dos
místicos: “Deus habita as trevas”, muitas vezes confundida pelos incautos com
afirmações satânicas, como também normalmente ocorre quando estes afirmam que o
demônio é Deus, como fez Albert Pike. O sentido é absolutamente o mesmo: a
incógnita e desconhecida mente de Deus, sempre envolta pelo manto escuro da
noite.
Aliás, é neste sentido que a verdadeira compreensão do sentido da “noite escura da alma”.
“O homem presume que existe uma causa
inteligente para o universo e a chama de Deus, atribuindo-lhe qualidades
humanas (como a bondade, a justiça e a misericórdia). Cria, assim, Deus à sua
imagem e semelhança. A teologia mística, ao contrário da teologia especulativa (baseada
em conceitos e teorias), objetiva um conhecimento experimental – a posse interior
de Deus pela contemplação que implica o despojamento do ego, visando à união da
alma com ‘aquele que está além de todo ser e de todo saber’.” (Sérgio
Carlos Covello – in “A noite escura da alma na visão poética de São João da
Cruz)
A “noite escura da alma” é, muito
além da desesperança que provoca pela distorção de nossa percepção, uma grande
oportunidade, uma vez que é pelo total desprendimento provocado pela “noite
negra da alma” que se pode realizar o conhecido e propalado “casamento alquímico”.
Entorpecimento |
O obscurecimento e entorpecimento
de nossos sentidos, como sempre, provoca enganos de interpretação pelos quais
não conseguimos enxergar que caminhos nos são propostos e que apenas precisamos
aceitá-los ou negá-los.
No entanto, o obscurecimento não
é privilégio de nós, meros mortais. Até mesmo Jesus, quando atingido por sua “noite
escura da alma” foi entorpecido:
“Pai, meu pai: Porque me
abandonastes?”
“A esse estado de despojamento os
místicos alemães do século 14 chamaram de “noite escura”, expressão que foi
consagrada 200 anos mais tarde pelo frade carmelita São João da Cruz, num poema
lírico de oito estrofes em que o poeta relata a própria passagem por essa prova
que antecede à plena iluminação. Nos comentários ao poema, diz o autor que,
mediante a noite escura, a alma se dispõe e encaminha para a divina união de
amor. É possível explicar a jornada mística como a busca do Eu profundo, a
dimensão expandida da consciência, para além do pequeno ego, de modo que a
consciência individual se transforme em universal ou cósmica. Mas os místicos
cristãos (e mesmo os não cristãos teístas) consideram a ampliação da consciência
como a união da alma com Deus, por analogia com o casamento humano, que é uma
experiência transformadora na vida dos nubentes. Nessa etapa do desenvolvimento
consciencial só entram as pessoas espiritualmente adiantadas, isto é, as que já
se converteram para a sua dimensão maior e obtiveram algum grau de luz. Não se
trata de período agradável, visto que é de provação. Segundo São João da Cruz,
a noite escura consiste na mortificação dos sentidos e do espírito, por isso
que produz abatimento, esgotamento mental e fadiga. Mas esse transe é altamente
desejável, porque faz surgir o homem novo, de consciência totalmente renovada.”
(Sérgio Carlos Covello – in “A noite escura da alma na visão poética de
São João da Cruz).
Jesus, contudo, passado o
entorpecimento decorrente de sua “noite escura”, ressurge como o grande Cristo
Cósmico Eterno, gerador de uma das mais influentes tradições religiosas do
mundo.
Jesus fez sem “casamento alquímico”.
Jesus juntou a sua consciência com a consciência do Pai, a consciência cósmica,
tornando-se parte Dele.
Esta a grande oportunidade que a “noite
escura da alma” apresenta a todos nós. A sublimação, o crescimento que apenas
pode ser alcançado não pelo virtual abandono de tudo e todos, mas pela
conscientização do verdadeiro papel que estes tudo e todos exercem em nossas
existências e pela ampliação da consciência antes individual daqueles “tudo” e “todos”
de antes.
Tudo passa |
Superada a desarmonia, autocomiseração,
e sentimento de impotência e depressão que acompanham a fase inicial da “noite
escura da alma” (E, sim... Tudo isto passa!!!), o que resta é uma nova dimensão da vida, novos e mais
evoluídos valores e sonhos, novas esperanças e maior consciência de nossa
missão nesta vida.
Quando parecer que você está na
escuridão, veja a luz que vem de seu coração e lembre que ele é seu verdadeiro
eu... Ele é sua alma... Ele é o Deus que apenas revela os grandes milagres e
feitos aos que dão importância ao que é pequeno, honesto e virtuoso.
Quando você conseguir tomar
consciência disto, você será a luz do mundo!
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